quarta-feira, 29 de outubro de 2008
Mocidade Independente de Padre Miguel apresenta:Clube literário, Machado de Assis e Guimarães Rosa: Estrelas em poesia
Intérprete: Bruno Ribas
Reluzente, estrela de um encontro divinal!
Risca o céu em poesias
Traz a magia pra reger meu carnaval
Despertam das páginas do tempo
Romances, personagens, sentimentos...
Machado de Assis que fez da vida sua inspiração
Um literário iluminado
As obras, um destino, a superação
Nos olhos da arte, reflete o legado
Do gênio imortal, do bruxo amado
Que deu ao jornal, um tom verdadeiro
Apaixonado pelo Rio de Janeiro
A canção do meu sarau te faz sonhar
A emoção vai te levar...
A estrela adormece, na paz do amor
Abençoado um novo sol brilhou
O vento traz Rosa de Minas
Rosa do mundo pra te encantar
Palavras que tocam a alma
Fascinam e tem poder de curar
Pelas veredas do sertão, a fé, o povo em oração
Pedindo a santa em romaria, pra chover em nosso chão
Mistérios na vida desse escritor
Revelam histórias de um sonhador
Brasil de tantas artes, nas letras sedução
Herança em cada coração
Mocidade, a sua estrela sempre vai brilhar!
Um show de poesia, em nossa academia
Saudade em verso e prosa vai ficar
A escola, setor a setor
Autores: Cláudio Cavalcante e Armênio T. Graça
Pesquisa e texto: Marcos Roza
Agradecimentos especiais: Cícero Sandroni (presidente da Academia Brasileira de Letras); Alexei Bueno (curador da exposição “Machado Vive” ABL); Anselmo Maciel (projeto e execução da exposição “Machado Vive” – ABL) e todos os acadêmicos da ABL que contribuíram com textos e depoimentos para a composição deste enredoColaboradores: Wilker J. Leite Filho (diretor artístico – Mocidade); José Luiz Azevedo (diretor técnico de Carnaval – Mocidade)
PRELÚDIO (1º ATO): “O NASCIMENTO DA ESTRELA MÍSTICA LITERÁRIA”
Os inconfundíveis versos dessa estrela que brilha de uma fusão incandescente viajam em um tempo luzente, riscam o céu com a mesma intensidade de uma estrela cadente e iluminam a nossa querida Mocidade Independente.
Renascem em um sonho acordado e promovem a fusão de três corpos iluminados, que surgem no universo de uma explosão, resistindo ao calor da fricção. E em uma velocidade estonteante cruzam, para além do cosmo, a caminho do planeta Terra.
Com a força do tempo, os corpos iluminados vindos do firmamento − a Estrela da Mocidade Independente de Padre Miguel, Joaquim Maria Machado de Assis e João Guimarães Rosa − chegam, sob encantamento, ao encontro mágico e universal chamado Carnaval.
Fundem-se em uma só estrela, em um único foco de luz que irradia alegria, como se o astro rei, o Sol, fosse a sua única fonte de energia; orquestram-se em uma ópera popular, desfolhando-se em literatura, poesia, história e fantasia, que em forma de samba tudo se traduz. A estrela de luz da Mocidade nos conduz ao Clube Literário Machado de Assis e Guimarães Rosa... Estrelas em poesia!
Abram-se as cortinas... Aplausos!
Em uma celebração sem igual, a Mocidade Independente de Padre Miguel narra esta ópera inspirada em Joaquim Maria Machado de Assis e João Guimarães Rosa e apresenta o enredo do seu samba na seqüência de sete ATOS:
2º ATO: “MACHADO DE ASSIS – SUA VIDA EM VERSO E PROSA”
Machado de Assis é personificado em verso e prosa. Encanta-nos fazendo da literatura sua batuta. À frente de seu tempo tudo via, tudo lia, tudo sentia, e com autodidatismo a vida lhe presentearia... Lendo, o encanto toma conta dos olhos, como em Memórias Póstumas de seu personagem, Machado ressurge das páginas da história de sua própria vida e nasce em 21 de junho de 1839: pobre, no morro do Livramento, filho de uma lavadeira portuguesa (Dona Maria Leopoldina Machado de Assis) e de um pintor de paredes mulato (Francisco José de Assis). O destino do menino Joaquim Maria não prometia muito.
Todo o período que medeia a morte de sua mãe, quando de seus 6 anos de idade, e a sua estréia literária, aos 15, é extremamente obscuro. Diz-se que foi caixeiro por poucos dias, não se adaptando ao comércio; sacristão da igreja da Lampadosa e que, com uma doceira francesa, aprendeu o francês, fatos todos que podem ser perfeitamente verídicos, mas que infelizmente não deixaram traço documental. O importante é que nesses anos obscuros, e que, ao que tudo indica, assim permanecerão, os olhos de menino do morro do Livramento começaram agudamente a esmiuçar o universo, a vida, os homens e suas misérias.
Mas a determinação e a paixão pelo conhecimento, de quem não tivera sequer acesso à escola regular, fizeram dele um dia MACHADO DE ASSIS – o maior escritor do país. A genialidade do jovem Joaquim Maria Machado de Assis desponta com o avançar do tempo. Supera com absoluta discrição todos os obstáculos físicos e sociais (ele era epilético, gago, mestiço). Em 3 de outubro de 1854, escreveu seu primeiro poema, o soneto “À Ilma. Sra. D. P. J. A”, obra ainda canhestra saída na Marmota Fluminense. A este se seguiu, com a data de 6 de janeiro de 1855, outro intitulado A palmeira.
Contudo, possivelmente com profundo orgulho renovado, via o adolescente um outro trabalho seu publicado, com o seu último sobrenome em letra de forma, o poema “Ela”, saído na mesma Marmota Fluminense de Francisco de Paula Brito, e que assim principiava:
“Seus olhos que brilham tanto
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde com rara beleza,
Se esmerou a natureza
com meiguice e com primor”
Memória do Largo do Rossio...
O centro da vida literária carioca durante a juventude de Machado de Assis ficava no Largo do Rossio, ou praça da Aclamação, a atual praça Tiradentes. Na década de 60 do século XIX, era na praça, na loja de Paula Brito – editor, livreiro, poeta e jornalista, proprietário da Tipografia Dois de Dezembro −, o ponto de reunião preferido dos homens de letras e dos aspirantes a tanto.
Nestes encontros, dos quais sairia a célebre Sociedade Petalógica, pontificavam nomes já consagrados como Laurindo Rabelo, o Poeta Lagartixa; Joaquim Manuel de Macedo, autor de A moreninha; Melo Morais Filho, autor de Os Ciganos; Manuel Antônio de Almeida, autor de Memórias de um sargento de milícias; entre muitos outros. A esse grupo se uniu o jovem Joaquim Maria Machado de Assis, assim como um poeta fluminense de mesma idade, Casimiro de Abreu. Desse local, na imediata vizinhança do maior teatro da Corte, o São Pedro de Alcântara – onde hoje é o Teatro João Caetano –, Machado de Assis se lançou no caminho sem volta das letras, nos periódicos, nos palcos e, sobretudo, nos livros.
Machado de Assis desperta em um tempo imortal. Sentado à mesa diante de inúmeros livros, no interior do Real Gabinete Português, folheia suas obras e segue regendo o enredo do nosso Carnaval.
3º ATO: O CRONISTA E O LITERATO – “OBRAS MACHADIANAS”
O escritor busca inspiração nas ações rotineiras do homem.
Comgênero híbrido entre o jornalismo e a literatura, a crônica foi utilizada por Machado de Assis, O Bruxo do Cosme Velho, como meio para se comunicar com os seus leitores durante a segunda metade do século XIX. Ao longo de sua trajetória como jornalista, que incluiu a passagem por vários jornais, entre eles, o Correio Mercantil e a Imprensa Oficial, Machado de Assis escreveu sobre sua própria atividade, diagnosticando problemas e sugerindo soluções para uma adequada atuação da imprensa, utilizando-se de histórias cotidianas à época. A crônica O jornal e o livro, de 10 e 12/1/1859, demarca a noção do jovem Machado em relação ao papel do jornalismo como formador de opinião e promotor da liberdade de expressão do homem comum:
[...] O jornal é a verdadeira forma da república do pensamento. É a
locomotiva intelectual, em viagem para mundos desconhecidos, é a literatura
comum, universal, altamente democrática, reproduzida todos os dias, levando em
si a frescura das idéias e fogo das convicções (MACHADO DE ASSIS, 1997, p. 945,
948).
“O jornal é a liberdade, é o povo, é a consciência, é a esperança, é o trabalho, é a civilização.”
Machado de Assis
Machado, atuando como cronista em um período de transição entre a imprensa política e a jornalística, já revelava a importância do sensacionalismo como integrante que fundamenta o produto final da notícia. Nesse sentido, a crítica machadiana é a forma sensacionalista de fazer jornalismo, é a grande locomotiva intelectual praticada até os dias de hoje e que fez de Machado de Assis um mestre que revolucionou a escrita da imprensa brasileira ao longo dos anos.
A cada poema, crônica, frase, um dissabor. Ora extraído da dor, ora preenchido com a docilidade do seu criador. Carlos Drummond de Andrade homenageia este grande escritor, publicando um poema "A um bruxo, com amor".
As Obras...
“Machado de Assis não é um capítulo na história literária do Brasil. É um capítulo na história literária do mundo.”
Machado é o homem das letras. E tal era a sua superioridade mental, a sua ilustração, a beleza do seu estilo fulgurante, que não tardou muito a ser considerado mestre no meio literário brasileiro. Polígrafo consumado, foi dos maiores romancistas do país, grande poeta, contista quase insuperável, crítico sagaz, admirável cronista e teatrólogo.
Deste então a obra de Machado de Assis abrange, praticamente, todos os gêneros literários. Na poesia, inicia com o Romantismo de “Crisálidas” (1864) e “Falenas” (1870), passando pelo Indianismo em “Americanas” (1875), e o Parnasianismo em “Ocidentais” (1897-1880). Paralelamente, apareciam as coletâneas de Contos fluminenses (1870) e Histórias da meia-noite (1873); os romances Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), todos considerados representativos de seu período romântico.
A partir daí, Machado de Assis entrou na grande fase das obras-primas, que fogem a qualquer denominação de escola literária e que o tornaram o maior escritor das letras brasileiras e um dos maiores autores da literatura de língua portuguesa: Memórias póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891); Dom Casmurro (1899); Esaú e Jacó (1904).
Toda a maior e mais característica obra machadiana é, portanto, obra da plena maturidade, nascida a partir dos 40 anos, e isso em todos os gêneros, inclusive na poesia. Nesse pouco mais de um quarto de século o mestre do Cosme Velho criou os cinco memoráveis “grandes romances” de sua carreira e diversos contos imortais como A chinela turca, Teoria do medalhão, A igreja do diabo, Cantiga de esponsais, Noite de almirante, Conto de escola, A cartomante, Uns braços, Entre os santos, A desejada das gentes, Um homem célebre, O caso da vara ou a Missa do Galo, entre tantos e tantos outros, além de enriquecer a galeria de personagens da literatura brasileira com tipos inesquecíveis como Brás Cubas, Quincas Borba, Rubião, Bentião e Capitu.
A visão de Nelida Piñon, em “Dom Casmurro”, identifica uma sucessão de narrativas de primeira pessoa, portanto com a responsabilidade tímida e hesitante da primeira pessoa. Segundo ela, a maravilha desse romance é a ambigüidade, afirmando que essa é que é a magia da obra de Machado. “Machado é contemporâneo, porque ele dá margem às dúvidas humanas, às inquietações, às indagações, às perguntas”. Conclui.
Parece mágico, seus livros, contos, romances e até suas crônicas “mudam com a idade”, com o nosso momento de vida. Ler Machado é algo que se pode pensar em fazer até para ver como ele “acompanha” e “evolui” através dos tempos junto conosco. Por fim parece que os textos de Machado não ficam inertes – como os melhores vinhos em garrafas – fechados nos livros. Eles se remexem e se transformam, como se fossem entidades, seres – semelhantes a nós – vivos.
E esse autor, nada recatado, tão ciente de sua intimidade, até teve o descuido de deixar sua obra aberta: seus próprios livros!
Ao se ler Machado, é possível olhar e ver em cada canto da alegoria seus personagens renascerem; então, o Velho Bruxo oficializa: é formalista, mas estende à sua obra mais uma conquista: a de ser jornalista e cronista.
4º ATO: CLUBE LITERÁRIO BEETHOVEN: TEATRO E MÚSICA – “O SARAU”
“Clube Literário Beethoven era uma sociedade restrita, que fazia os seus saraus íntimos em uma casa do Catete. Pouco a pouco, foi se desenvolvendo. Até que um dia, mudou de sede e foi para a Glória. O salão do fundo, tão vasto como o da frente, servia aos concertos e enchia-se de uma porção de homens de várias nações, várias línguas, vários empregos.”
Recorda a tradição. No Clube Literário se reunia a “boêmia intelectual”. Um espaço freqüentado somente por homens cultos: literatos, músicos, teatrólogos, poetas, cronistas, jornalistas, “jogadores” ou simplesmente “boêmios”. Tudo vida, sem engano, entre muitas alegrias, conversas e infinitas trocas de experiências, ouviam longuíssimos concertos, recitavam poesias, cantavam, bebericavam em lembrança de seus eternos casos de amor e jogavam xadrez como símbolo do “saber”.
“Meu bom xadrez, meu querido xadrez. Imagem da anarquia, onde a rainha come
o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e
todos comem a todos. Graciosa anarquia. Tudo isso sem rodas que andem, urnas que falem.”
Mas é no interior do Clube Beethoven, principal “sociedade musical” da Corte de então, que o autor de Dom Casmurro, freqüentador assíduo, e tantos outros escritores externavam suas paixões pelo teatro e pela música. Machado de Assis, além de ter sido membro e censor do Conservatório Dramático Brasileiro, como teatrólogo escreveu ao menos quatro peças e traduziu duas outras.
Entre elas estão: Hoje avental, amanhã luva, O caminho da porta, Os deuses de casaca e Tu, só tu, puro amor. No que diz respeito à música, dois de seus mais belos contos, Cantiga de esponsais e Um homem célebre, têm a música como argumento central, metonímia de toda a arte, embora o tema primordial que os domine seja o da frustração pelo irrealizado anelo da criação.
Contudo, a fusão das duas artes – teatro e música – embasa o conteúdo de histórias e anedotas dos freqüentadores do “Clube Literário Beethoven”, como esta que expomos a seguir, envolvendo jovens estudantes e literatos.
“O canto lírico, por exemplo, não poderia deixar indiferente Machado de
Assis, que foi confessadamente um dos devotos de Augusta Candiani, cantora
milanesa que fez furor nos palcos do Rio de Janeiro a partir de 1840. Em certa
ocasião, como era de praxe no período dos extravasamentos românticos, os
estudantes e outros jovens, após uma récita da diva, desatrelaram os cavalos de
sua carruagem e a levaram eles próprios a seu destino. Machado de Assis, que
tantos viriam a falsamente considerar como casmurro e misantropo em sua
maturidade, foi um dos cavalos da Candiani”.
5º ATO: UMA ESTRELA ADORMECE – NASCE “O ROSA DOS VENTOS”
Adormece uma grande estrela e nasce a mais nova estrela na literatura moderna brasileira.
Daqui a pouco será crepúsculo. O sol, em fins de tarde de outono, estará brilhando morno sobre o Rio de Janeiro. Irá bater com sua luz nas janelas fechadas de um prédio antigo, no Cosme Velho. Ninguém o atenderá, porque o dono da casa, viúvo e solitário, saiu para um último passeio e não vai voltar. A estrela de Machado adormeceu!
Em um rastro de luz Machado de Assis faz a passagem para a imortalidade, como uma estrela que adormece, nos seios de sua eterna e amada Carolina, e que nunca se apagará... Contudo, como em uma explosão cósmica, surge uma nova estrela. Ressalta das páginas da história o nascimento de João Guimarães Rosa – Rosa de todos os ventos, o Rosa de Minas e o Rosa do mundo.
Lisonjeado, Guimarães apresenta os seus Brasis, segue encantado, como um “literato abençoado” que na folia chega pra dar o seu recado.
Nasce João Guimarães Rosa
Em 27 de junho de 1908, filho de Floduardo Pinto Rosa, pequeno comerciante na cidade mineira de Codisburgo (que significa a cidade do coração), e de Francisca Guimarães Rosa, a dona Chiquitinha.
Quando na infância, Joãozinho gostava de estudar sozinho e brincar de
geografia... Mas o tempo bom de verdade só começou com a conquista de algum
isolamento, com a segurança de poder fechar-se em um quarto e trancar a porta.
Deitar no chão e imaginar estórias, poemas, romances, botando todo mundo
conhecido como personagem, misturando as melhores coisas vistas e ouvidas
(Discutindo Literatura, p. 8).
Conta-se que João lia, quando ainda criança, ritmando a leitura, hábito que conservou por toda a sua vida.
“Sua posição predileta para leitura era sentado no chão, de pernas cruzadas, ao modo de Buda, com o livro aberto sobre as pernas, curvado até bem próximo deste e com dois pauzinhos nas mãos, batendo sobre as páginas, ora um, depois o outro, compassadamente, em ritmo variado, ligeiro ou mais lento, conforme a leitura movesse o pensamento”. Estudioso e atento às conversas (aos causos) dos sertanejos que passavam pela venda de seu pai... Aprendeu as primeiras letras com mestre Candinho e francês com frei Esteves. O menino foi para Belo Horizonte em 1918, onde se matriculou no famoso colégio Arnaldo.
João, que estudava por sua conta línguas e histórias naturais, tornou-se um poliglota.
“Falo português, alemão, francês, espanhol, italiano, esperanto, russo... Leio sueco, holandês, latim e grego. Entendo alguns dialetos alemães. Estudei a gramática do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês e outras. Estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional.”
(Trecho da entrevista de Guimarães Rosa concedida ao alemão Gunter Lorenz).
Ingressou na Faculdade de Medicina e manteve o interesse pela literatura. Em 1929, venceu, com o conto “O mistério de Heghmore Hall”, um concurso da revista O Cruzeiro e o publicou em julho do mesmo ano. Era a estréia literária do autor.
“Para o poeta Guimarães Rosa tudo começa na palavra. Desde a criação das coisas e dos seres. E nós nos distinguimos pelo uso que dela fazemos. O homem é a sua linguagem. Palavras aproximam ou separam. Por palavras senso e sensibilidade se medem, definem e estimulam.
O próprio pensamento é a palavra escondida.Está no Gênesis que, por divino comando o primeiro homem dialogava com o Criador e deu o nome às coisas vistas. Depois, “na terra não havia se não uma mesma língua e um mesmo modo de falar”.
Unidos pela força da palavra igual, crescendo em vaidade, espalharam-se os homens pela Terra, quando lhes foi exposta – como castigo – a separação das línguas. Babel. A unidade rompida. A incompreensão.As palavras reúnem e também separam.”
6º ATO: DO MÉDICO DAS ALMAS AO ESCRITOR: CONTISTA E ROMANCISTA
O médico das almas: o místico
João Guimarães Rosa formou-se em medicina na Faculdade de Minas Gerais, com apenas 16 anos. Segundo colega de turma, Dr. Ismael de Farias, no velório de um estudante vitimado pela febre amarela, em 1926, teria Guimarães Rosa dito a famosa frase “As pessoas não morrem, ficam encantadas”, que seria repetida 41 anos depois por ocasião de sua posse na Academia Brasileira de Letras.
Guimarães vai exercer sua profissão de médico em Itaguara, pequena cidade que pertence ao município de Itaúna, Minas Gerais, onde permaneceu por dois anos. Seu relacionamento com a comunidade, com os “raizeiros” e os “receitadores”, fez ser reconhecida sua importância no atendimento aos pobres e marginalizados, a ponto de se tornar grande amigo de um deles, Monoel Rodrigues de Carvalho, mais conhecido por seu “Nequinha”, que morava no Grotão, enfurnado entre morros, em um lugar conhecido por Sanrandi, onde Guimarães colheu matéria-prima para o seu primeiro livro Sagarana, lançado em 1946.
Os Ciganos
Valendo-se da ajuda de um amigo, que fazia as vezes de intermediário, o jovem médico procurou aproximar-se daquela “gente estranha”; uma vez conseguida a almejada aproximação, passava horas envolvido em conversas com os “calões” na “língua disgramada” que eles falavam. Como diria mais tarde, Manoel Fulô, protagonista do conto Corpo fechado de Sagarana, que resolveu viajar no meio da ciganada por amor de aprender as mamparras de lá deles. Também em Faraó e na Água do rio, contos do livro Tutaméia, Guimarães Rosa refere-se com especial carinho a essa gente errante, com seu peculiar modus vivendi, seu temperamento artístico, sua magia e sua artimanha.
A superstição e o misticismo
A superstição e o misticismo acompanhariam o escritor por toda a vida. Ele acreditava na força da lua, respeitava curandeiros, feitiços, a umbanda, a quimbanda e o kardecismo. Dizia que pessoas, casas e cidades possuíam fluidos positivos e negativos que influenciavam as emoções, os sentimentos e a saúde de seres humanos e animais.
Em 1934, Guimarães se desiludiu com a profissão: “Não nasci para isso”, escreveu para um amigo, enviando-lhe uma carta. Na ocasião, João Guimarães Rosa prestou concurso para o Itamaraty e iniciou a carreira diplomática. Posteriormente, foi designado para o posto de cônsul adjunto do Brasil em Hamburgo. Em maio de 1938, o jovem diplomata toma o navio para a Alemanha.
Na gênesis da Segunda Guerra Mundial, uma convergência de tempo e espaço o colocaram no olho do furacão do maior acontecimento do século XX. A atividade de Guimarães Rosa no Consulado Geral em Hamburgo em favor dos judeus perseguidos seria um exemplo não de ação política, pois a ação política era o nazismo, mais sim de ação diplomática. Aqui encontramos a concepção platônica da justiça − a harmonia dos elementos naturais de um todo, sem excesso de nenhum sobre o outro.
É a esse totalitarismo que ele se refere quando Lorenz lhe perguntou sobre sua atividade em Hamburgo em favor dos judeus perseguidos pelo nazismo. “Eu, homem do sertão, não posso presenciar injustiças”.
O Reconhecimento
Em reconhecimento a essa atitude, o diplomata e sua mulher foram homenageados em Israel, em abril de 1985, com a mais alta distinção que os judeus prestam aos estrangeiros: o nome do casal foi dado às encostas que dão acesso a Jerusalém.
O escritor: contista e romancista
“A língua e Eu somos um casal de amantes que procriam apaixonadamente.” João Guimarães Rosa Dedicou-se à diplomacia e, fundamentalmente, as suas crenças descritas em sua obra literária. Fenômeno da literatura brasileira, Rosa começou a escrever aos 38 anos. O autor, com seus experimentos lingüísticos, sua técnica e seu mundo ficcional renovou o romance brasileiro, concedendo-lhe caminho até então inéditos. Sua obra se impôs não apenas no Brasil, mas alcançou o mundo, tornando-o uma grande estrela literária.
João: um escritor cuja formação foi profundamente marcada pela experiência de mediação entre dois mundos, ou entre dois modos de vida, um rural e tradicional e outro urbano e moderno. A mistura programática destes saberes faz da obra de Rosa um espaço permanente de negociação entre a modernidade urbana e a cultura tradicional – oral das comunidades rurais, ou de articulação do espírito de vanguarda e o interesse no regional, o que, superando o dualismo resulta em uma mescla de formas cultas e populares: arcaísmos, neologismos, regionalismos e estrangeirismos. Foi também sofisticado leitor de uma gama extensa de assuntos: zoologia, religião, literatura, filosofia e pintura.
Principais Obras
Sagarana (1946), uma inédita força lírica, um sopro épico inigualável, traz o “sertão mineiro”, civilização do couro do nosso interior, para o primeiro plano da ficção nacional, tema literário que aparentemente se esgotara nas mãos de Afonso Arinos ou de Hugo de Carvalho Ramos.
Corpo de baile (1956) reúne um extenso conjunto de novelas que, atualmente são publicadas em três partes: Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá, no Pinhém; e Noite do sertão.
Grande sertão: veredas (1956), seu primeiro e único romance de ressonâncias épicas que alçará o sertão brasileiro ao mais alto plano da expressão universal.
A força sem paralelos dessas obras, a sua visceral e inesperada inventividade lingüística, mobilizaram todos os recursos possíveis da língua portuguesa.
7º ATO: O VAQUEIRO JOÃO NAS TRILHAS DO GRANDE SERTÃO
A linguagem Rosiana consegue ser, a um só tempo, regional e universal, presente e atemporal, popular e erudita, mesclando, no papel, a genialidade do diplomata poliglota e do indivíduo que andava pelos grotões do sertão munido de seu caderninho, anotando os “causos” que posteriormente poderiam vir a compor sua obra. O sertão explorado por Rosa não é o sertão nordestino retratado nos romances regionalistas. Trata-se do sertão mineiro, familiar ao escritor, marcado não pela aridez, mas pela abundância.
Em Grande sertão: veredas, um dos romances mais ricos e complexos da literatura universal, assistimos à narração de Riobaldo que, anos depois, conta a um interlocutor as suas aventuras do tempo de jagunço. Em um texto que trabalha simultaneamente com experiência e com memória, assistimos a uma reelaboração, realizada pelo protagonista-narrador, das dúvidas e angústias que lhe assolam a existência. Trata-se de um texto universal, na medida em que as questões levantadas são as mesmas com as quais o homem se defronta desde o início dos tempos.
“Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja.
O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a
cachorrada pega a latir, instantaneamente – depois, então, se vai ver se deu
mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado
sertão é por campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras
altas, demais do Urucaia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então o aqui
não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de
morador; e onde um criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de
autoridade. O Urucuia vem dos montões oestes. O gerais corre em volta. Esses
gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou
pães, é questão de opiniões... O sertão está em toda parte”João Guimarães Rosa
Liberdade à bondade de Deus. Há sobreposição das várias lutas: a luta pela sobrevivência; a luta pela sua própria emancipação; a luta contra o mistério do mal; e pelo sentido da vida. O sertão Rosiano tem sincretismo religioso. Tem caboclo, tem romaria sertaneja. Tem um povo que tem fé. Que crê em Nossa Senhora como forma de união e clama por sua benção para fazer chover no nosso sertão.
O sertão aceita todos os nomes: aqui é os Gerais, lá é o Chapadão, lá acolá é a Caatinga. As Veredas do Sertão é o cenário onde se dá a travessia, onde o homem conquista sua maioridade, onde se decide sobre o bem e o mal. Como a travessia do vaqueiro João Guimarães Rosa, pelo sertão, montado na “mula balalaika”, intitulando-se vaqueiro-amador. Rosa acompanha, em 1952, a travessia da boiada da Sirga até a fazenda São Francisco – uma trajetória de dez dias em um percurso de 40 léguas. Preocupado em registrar suas descobertas, revela, no seu encontro, a sua face de etnógrafo, interessado não apenas na cartografia da região, mas, sobretudo, na cultura dos boiadeiros e sertanejos que viriam povoar sua obra.
“Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é
suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser crocodilo vivendo no Rio Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens.” João Guimarães Rosa
8º ATO: ESTRELAS EM POESIA...
Rio de Janeiro é a cidade do samba, é o celeiro de bambas... A celebração irradia quando a estrela de luz que nos guia ilumina a nossa Velha-Guarda, que traz os “academicistas do samba” e a Avenida contagia.
O brilho das estrelas em poesia é acreditar na força que elas têm, desvendando seus mistérios, e aí então deixar que suas luzes entrem alma adentro. Carregar as estrelas seja como conduzir um candeeiro, para que, onde quer que se vá, longe, alto, possam os outros perceber a claridade.
Celebramos “à volta” dos corpos iluminados ao universo cósmico. Machado de Assis e Guimarães Rosa deixam-nos um grande legado: suas obras literárias, poesias, contos e fantasias... Os academicistas do samba: a nossa Velha-Guarda, sob o manto verde e branco despede-se desses grandes mestres da literatura nacional, que para sempre brilharão em nossas vidas.
A Estrela de Machado vive;A Estrela de Guimarães brilha;A Estrela da Mocidade nos conduz...E apresenta: Clube Literário Machado de Assis e Guimarães Rosa...
Estrelas em poesia!
Fecham as cortinas!Aplausos!
Sinopse do enredo para 2009
O presente ano, tão rico em efemérides, tem para esta Casa a importância única de ser o do centenário da morte do seu patrono e um de seus fundadores, Joaquim Maria Machado de Assis. A Academia Brasileira de Letras é, por antonomásia, a Casa de Machado de Assis, como a Academia Francesa é a Casa de Richelieu, e, sob este aspecto, ela nasceu sob um signo mais exclusivamente literário do que aquela na qual se espelhou.
Em pouco mais de um ano, de junho de 1908 a agosto de 1909, ocorreram três datas máximas na história da prosa no Brasil, uma de júbilo e as outras duas lutuosas, que são, respectivamente, o nascimento de João Guimarães Rosa, o falecimento de Machado de Assis e a morte trágica e precoce de Euclides da Cunha. Entre as duas se situa a despedida do grande mestre do Cosme Velho, deixando-nos uma obra vasta e magistral, marca de uma existência plenamente cumprida, para além de todas as dificuldades, uma existência que significa a vitória do gênio e do esforço humanos, grande exemplo moral que nos legou, juntamente com a obra, o maior escritor brasileiro de seu século.
Cícero Sandroni
Presidente da Academia Brasileira de Letras